Uma reanálise dos materiais lunares coletados durante a missão Apollo 14 resultou em uma conclusão bastante surpreendente: uma das rochas trazidas de volta parece conter um pequeno pedaço da Terra que remonta há cerca de quatro bilhões de anos. Incrivelmente, ela está agora entre as rochas terrestres mais antigas conhecidas.
Uma nova pesquisa publicada nesta semana no periódico Earth and Planetary Science Letters afirma que um fragmento de rocha incrustado na amostra lunar 14321 — uma rocha de 0,9 quilo conhecida como Big Bertha — é de origem terrestre. O fragmento provavelmente atingiu a superfície da Lua depois que um asteroide ou cometa colidiu com a Terra, jogando detritos no espaço. Os principais autores do novo estudo, Jeremy Bellucci, do Museu Sueco de História Natural e Alexander Nemchin, da Universidade de Curtin, na Austrália, dizem que isso aconteceu há cerca de quatro bilhões de anos, durante o éon Hadean — uma época em que a Terra era regularmente atingida por grandes objetos.
A Big Bertha foi coletada pelos astronautas da NASA Alan Shepard e Edgar Mitchell em 1971, durante a missão Apollo 14 até a formação Fra Mauro. Essa rocha, juntamente com outras amostras lunares, está armazenada na Instalação de Curadoria Lunar, no Centro Espacial Johnson em Houston, no Texas. A amostra 14321 é especial por ser uma brecha de matriz cristalina rica em clastos.
“Em termos leigos, significa que essa é uma rocha feita de uma mistura de pedras e fragmentos de rochas previamente existentes, assim como material de fusão e impactador formado durante um grande impacto ou série de impactos na Lua”, disse James Day, professor do Instituto Scripps de Oceanografia e que não esteve envolvido no novo estudo, ao Gizmodo. “A amostra foi descrita como um ‘tesouro’, contendo uma infinidade de clastos de rochas.”
Amostra lunar 14321 com uma seta indicando o local do aparente fragmento da Terra. Imagem: USRA/NASA
Katie Robinson, pós-doutoranda do Centro LPI-JSC de Ciência e Exploração Lunar e coautora do estudo, disse que a amostra 14321 foi reconhecida como incomum por um longo tempo e que só agora estamos apreciando o quão incomum ela realmente é. Dentro dessa brecha lunar está um clasto de felsito de dois gramas — rocha vulcânica de grão fino — com fragmentos de felsito, incluindo quartzo, feldspato e zircônio. Esses materiais são normalmente encontrados na Terra, mas são muito incomuns na Lua. E, de fato, uma análise química da amostra sugere que ela se formou sob condições terrestres, ao invés de lunares.
“O que fizemos foi usar a composição de minerais no fragmento para mostrar que ele se formou sob condições que só ocorrem na Terra”, contou Robinson ao Gizmodo. “Por exemplo, a composição de certos minerais é sensível a temperatura e pressão; eles contêm mais ou menos vários elementos se cristalizarem em ambientes quentes ou frios, e/ou ambientes profundos ou rasos. Outros minerais podem indicar se a rocha se formou na presença de muito oxigênio ou em um ambiente muito pobre em oxigênio. Nossos dados mostram que esse fragmento se formou em um ambiente com maior pressão, mais rico em oxigênio e menor temperatura do que ocorre na Lua. Basicamente, ele tinha que vir de um ambiente semelhante ao da Terra.”
Obviamente, acontece que a Lua tinha um ambiente semelhante ao da Terra logo ao lado, mais especificamente na… Terra! A ideia de que um antigo impacto de asteroide possa ter lançado pedaços de detritos terrestres no espaço e na superfície da Lua não é ridícula. Durante o éon Hadeano, os asteroides produziam regularmente crateras de milhares de quilômetros de diâmetro. Impactos dessa magnitude foram capazes de extrair materiais das profundezas da superfície da Terra. O aparente fragmento terrestre encontrado dentro da Big Bertha se formou cerca de 20 quilômetros abaixo da superfície da Terra — uma profundidade não fora do alcance desses asteroides antigos.
Versão de um artista para uma Terra golpeada por asteroides durante o éon Hadeano. Imagem: Simone Marchi
Outra possibilidade, de acordo com a pesquisa, é que o fragmento tenha se cristalizado na Lua. Mas, para que isso aconteça, o material tinha que ter se formado profundamente dentro da Lua, próximo ao seu manto lunar, e não há razão para que ele chegue à superfície. A explicação mais simples, disseram os pesquisadores, é que ele tenha vindo da Terra.
Falando da superfície lunar, parece surpreendente que os astronautas da Apollo tenham sido capazes de encontrar essa brecha tão facilmente. De fato, bilhões de anos de poeira lunar em acumulação constante, conhecida como regolito, deveriam ter obscurecido os vestígios dessa rocha. Mas, como Robinson explicou, a Big Bertha estava coberta de regolito, mas não o suficiente para enterrá-la completamente. Para explicar sua presença na superfície lunar, ela disse que a brecha já foi enterrada, mas voltou à superfície após um impacto que formou a Cone, uma cratera de 300 metros perto do local de pouso da Apollo 14 — um “processo muito comum na Lua”, acrescentou Robinson.
Um aspecto fascinante dessa descoberta é que essa amostra lunar de aparente origem terrestre é verdadeiramente antiga. Com uma estimativa de quatro bilhões a 4,1 bilhões de anos de idade, o mineral de zircônio terrestre encontrado na amostra está agora entre os mais antigos conhecidos. Um comunicado de imprensa da Associação de Pesquisa Espacial das Universidades (USRA, na sigla em inglês) chegou ao ponto de proclamá-la “a rocha mais antiga da Terra“, mas isso não é totalmente exato, como explicou Matthew Dodd, geólogo da University College, em Londres.
“A idade do mineral de zircônio encontrado na amostra lunar é citada como tendo cerca de 4,01 bilhões de anos, o que a torna uma peça muito antiga da Terra (se esta pesquisa estiver correta), mas não é a mais antiga”, disse Dodd ao Gizmodo. “Há zircônios na Terra de 4,4 bilhões a 4,3 bilhões de anos de idade que vêm da Austrália ocidental.”
Os autores do novo estudo apresentaram duas possibilidades para explicar a amostra anômala: ou ela se formou na Terra (muito provavelmente) ou no fundo da Lua (muito improvável). Mas James Day disse que os pesquisadores deixaram passar uma terceira possibilidade.
“(Essa terceira possibilidade) É que essas características incomuns sejam o resultado de processos de impacto na Lua, sem a necessidade de essas rochas terem chegado da Terra”, afirmou Day ao Gizmodo. “Durante a formação de derretimentos por impactos, podem ser obtidas condições para gerar a química incomum de vestígios de elemento dos zircônios, mas essa possibilidade não é considerada pelos autores, mesmo que esses clastos de felsito tenham texturas consistentes com o fato de serem rochas derretidas, incluindo derretimento e brecciação.”
Day disse que seu cenário parece mais plausível em comparação com a “cadeia de eventos necessária de (quebra de) felsito da Terra em pressões de impacto muito elevado para que ela possa escapar da órbita da Terra, em seguida se incorporando em uma rocha de derretimento de impacto lunar”. Os clastos de felsito, disse ele, têm quase a idade certa para estar entre “uns dos primeiros grandes impactos registrados na Lua, tornando a origem lunar mais provável”.
Para os autores do novo estudo, esse tipo de reação ou crítica não é inesperado. Como observado no comunicado de imprensa da USRA, os pesquisadores estavam prevendo que “a conclusão de uma origem terrestre para o fragmento de rocha seria controversa”.
Quando contatado para comentar, Bellucci disse que alguns de seus colegas são susceptíveis ao ceticismo simplesmente porque as amostras foram encontradas na Lua. Mas ele disse que a “melhor explicação para nossos dados apresentados no artigo é uma origem terrestre para o clasto que analisamos”, acrescentando que, pelo que ele e seus colegas sabem, “nós fizemos o melhor trabalho que poderíamos ter feito para confirmar uma origem terrestre”.
Complementando isso, Robinson detalhou: “Sabemos por cálculos dinâmicos que amostras da Terra definitivamente foram ejetadas durante impactos e chegaram à Lua, mas o desafio está em reconhecê-las”, disse ela. “Essa é apenas a primeira rocha identificada como meteorito terrestre. Quanto mais encontrarmos, melhor conseguiremos identificá-las!”
Apesar das ressalvas de Day, ele disse que o novo estudo é importante por destacar a necessidade de missões futuras para estudar a formação da Lua.
“Voltar à Lua para entender como ela se formou e como nosso próprio planeta se formou seria um estímulo científico, assim como as missões Apollo, dos EUA, e Luna, da União Soviética, à Lua foram durante o fim dos anos 1960 e início dos anos 1970”, ponderou Day. “Afinal, como esse artigo mostra em 2019, ainda estamos fazendo descobertas sobre a Lua a partir de rochas coletadas 48 anos atrás.”